GOMAS AÇUCARADAS

GOMAS AÇUCARADAS

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A GATA

O casal empolgado na hora do amorzinho da madrugada.
- Mia! – ordenou o rapaz no silêncio da escuridão, tão alto que fez tremer o bloquinho de apartamentos.
- Mia! – a voz pedregosa despertou o sono tranquilo dos velhinhos. E seguiu o choro assustado de um bebê no andar de baixo.
- Mia, gata! – a ordem se repetia de um lado do apartamento, ora de outro, seguido sempre do miado tímido da moça.
Depois, ligado um chuveiro, cessou o miado.
Na manhã seguinte, ao abrir a porta do apartamento rumo ao trabalho, a moça encontrou na soleira da porta uma vasilha com leite e um punhado de ração deixado numa latinha.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

PENSÃO ALIMENTÍCIA

No escritório a mulher desabafa:
- Aquele desgraçado, doutor, bandido, está devendo pensão alimentícia vai mais de ano. Jéssica tira a mão daí!
Enquanto a mulher recupera as canetas do advogado das mãos da filha, o advogado esforça-se para prestar atenção ao relato. A menina começa a chorar.
- Quero aquele bandido preso. Neste país, sei: só quem deve pensão vai pra cadeia.
- Podemos tentar um acordo... – tenta contemporizar o profissional.
- Não, doutor. Quero ir até o fim. Onde já se viu. Não pagar nunca a pensão. Cala a boca, Jéssica. Não quero ouvir um pio.
O advogado colhe alguns dados, faz alguns apontamentos. A menina, finalmente, aquieta-se com um papel e uma caneta. Começa a rabiscar deitada no chão.
- O processo vai levar alguns meses. A senhora terá que ter paciência...
- Eu tenho doutor, só quero que aquele desgraçado pague o que é de direito. Só isso, doutor.
-  ...mas ele, o pai da criança, terá que pagar todas as atrasadas e as pensões que vencerem no transcorrer do processo. A senhora não vai perder nada.
Colhida a assinatura na procuração. Despede-se.
O advogado trabalha meses no caso. O pai da criança, esperto, muda de endereço para não ser encontrado nunca. A mãe, ansiosa, quase diariamente quer saber do caso.
- Doutor, o oficial de justiça encontrou o desgraçado?
- Ele assinou o papel, doutor? O desgraçado vai dizer que não sabe assinar.
- A menina passa vontade, doutor!
- Calma – diz o advogado paciente. Citado, tem prazo para pagar. Se não pagar e não comprovar a impossibilidade, vai preso.
Passa alguns meses. Negada a justificativa do executado foi decretada sua prisão.  Muitos telefonemas e explicações para a mulher.
- Como demora, doutor?
- Ele não vai preso, não?
- Falaram lá no bairro que ele é assim com os polícia. Ninguém vai prender ele não.
- O desgraçado, vai ver. Vai pagar tudo na cadeia. Deixar a menina passando fome desse jeito.
O advogado recebe a notícia de que finalmente o executado foi preso. Envolveu-se em uma briga no bar. Puxaram a ficha. Tinha ordem de prisão. Ficou preso.
Dois dias e o pai da criança foi solto. O advogado viu no processo os comprovantes de pagamento do débito. A mulher sumiu do escritório. Nunca mais deu notícia. “O desgraçado quando se viu preso, arrumou dinheiro e pagou. Só assim mesmo” – pensa o advogado.
Num final de tarde o advogado encontra, por acaso, a mulher e a filha, pedindo nomeação de advogado no Fórum. O advogado puxa conversa:
- Trabalhão o pai da Jéssica nos deu, eim?
- É... -  disse meio sem graça, surpresa em encontrar o advogado.
- Ele pagou tudo direitinho? Porque a senhora está aqui?
Ressabiada, solta a língua devagar.
- Não doutor. Não pagou coisa nenhuma.
- Como não? Vi os recibos no processo...
- Assinei os recibos para que tirasse ele da cadeia.
- E porque fez isso, se não recebeu...
- Ah, doutor, ele é o pai da minha filha. Homem bom, honesto, trabalhador. Ficar preso com bandido? E quando vi preso, doutor, feito um passarinho na gaiola, magricelinho como ele só, não dei conta. Assinei logo o recibo como se tivesse me pagado.
- E o que a senhora faz aqui no Fórum novamente?
- Vim atrás de outro advogado. O desgraçado não pagou nem um tantinho de pensão. A menina e a gente com tanta precisão. Mas agora, doutor,  quero aquele desgraçado preso...

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

DÓ?!

Acorda com a gritaria dos pardais e a gargalhada do quero-quero. No banheiro escova os dentes e lava o rosto. Apanha a mochila sobre a cômoda. O beijo na mulher que ainda dorme. O afago na cabeça do filho no berço.
Na varanda o gato ronrona em sua perna. Antes de sair com a motocicleta depenada, acaricia a pelagem.
Na mochila o três oitão e o capuz. Se precisar atira no desgraçado, sem dó.