Dia
das Crianças
O dia das crianças
começou com o sol brincando na rua. O barulho das portas de aço sendo içadas
por um ferrolho a despertou. E arrastando os miúdos da sombra da marquise, um
agarrado ao peito e outro com o esqueleto estalando no chão duro, foram
aquecer-se sob o sol.
Enquanto o menor sugava
a mãe, o outro, de pé, observava a movimentação do comércio. Já sabia que era
dia das crianças. Por dias ouvia os carros de som que passavam anunciando a
data especial, via outras crianças saindo felizes das lojas com seus pais e
volumosos pacotes de presentes. Distraiu-se com o gordo comerciante do outro
lado da rua colocando para fora da loja a caixa de som que desde que saíram de
casa sob as ameaças do pai bêbado, tocava a mesma música.
De repente a rua estava
cheia de movimento. A mãe encolhera as pernas para não atrapalhar os passantes
e estendera o lenço como salvas. De vez em quando uma moeda caía sobre o lenço
encardido.
- Menino, não vá longe
– a voz fraca, em jejum.
- Mamãe, quando o papai
vem buscar a gente? Ele não está demorando?
- Seu pai não vem mais,
agora vamos viver aqui até um anjo nos arrumar um lugar para ficar – e pousou
uma das mãos sobre o maxilar que, apesar de todo o tempo passado, ainda doía
como se estivesse apanhado ontem.
O menor dormia nos
braços da mãe, alimentado.
- Mamãe, quero ir para
casa! - e esboçou um choro truncado pela realidade.
- Não comece. A gente
não pode voltar lá. Seu pai mata a gente! Vai brincar, vai! Quando juntar mais
algum dinheiro, compro um copo de leite.
O menino então se
voltou para o meio fio da calçada procurando pelo chão algum objeto que o
divertisse. Encontrou uma bolinha de papel e começou a chutá-la. O comerciante
anunciava a queima do estoque de brinquedos naquele último dia de oferta, afinal
já era dia das crianças.
- Um dia vou ter uma
bola de verdade, mamãe?
- Quem sabe um dia um
anjo não lhe dê uma de presente – disse desconcertada.
O menino suspendeu o
chute no ar, franziu a testa, arregalou os olhos famintos.
- Mãe, o que é anjo?
A mulher riu. Como
explicaria ao filho de três anos o que era um anjo? Arriscou-se.
- Anjo, é um homem de
asas que vem do céu.
Depois de algumas horas
o menino ganhou um copo de leite e um pão, tomados na padaria. A mãe retornou
com os meninos sob a marquise. O sol guardava seus brinquedos. O comércio
cerrava suas portas. Um cachorro abandonado do meio da rua observava a mulher e
os filhos. E então uma perua velha aproximou-se devagar. O menino já estava
encostado na pedra morna da parede, sentado ao chão, quando viu o veículo. Não
era carro novo. A perua estava toda remendada, o para-choque amarrado com
arames e tiras de tecidos. O escapamento soltava uma fumaça negra e espessa. O
motor estalava em soluços.
A perua foi estacionada
diante do menino, do outro lado da calçada. Um homem desceu. Vestia uma calça
surrada e uma camisa, de tão desgastada dava para ver o corpo. A sandália de
couro surrada arrastava no chão fazendo barulho. O homem tinha dificuldade para
andar. O menino observava tudo isso e nem notara que o velho trazia um pacote
colorido em uma das mãos. E uma bola de plástico multicolorido na outra.
Quando se deu conta, o
menino estava com a bola sob o braço. E sua mãe desembrulhava o pacote onde
havia outros brinquedos. De repente a mãe encontrou um saquinho plástico com
duas caixas laminadas cheias de comida. Ao levantar a cabeça para agradecer ao
homem, já não estava mais ali.
- Este homem é um anjo!
– disse a mãe, aliviada.
E o miúdo, lembrando-se
do que a mãe lhe ensinara, olhou para o céu procurando os vestígios. Nem uma
pena havia se soltado. Então se virou para a rua e pôde ver a perua engazopando,
soltando fumaça, até que sumiu na esquina. E quando não se ouvia mais os
estalos do motor...
- Mamãe, porque não
pediu uma casa para ele?
bom, eu amei o testo pois ele etrata a realidade de muitas familias no mundo todo, e a grande atitude da mae de dar esperanca ao filho, boa Henrique
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