GOMAS AÇUCARADAS

GOMAS AÇUCARADAS

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O DIA NUBLADO

O dia nublado merece ócio. E há dois dias, não vejo o sol. A cidade parece mais calma. Os elevadores do prédio vazios. O trânsito de poucos carros lentos.
O dia nublado é prelúdio à preguiça. Trabalho rápido pela manhã com o fiapo do sol. Depois do almoço, com o tempo fechado, leio alguns textos. Navego displicente na internet, temeroso que o capitão cochilasse.
Nenhuma notícia chama atenção. Os emails estão congestionados. O último foi de dois dias atrás quando o sol ainda respirava. Como advogado, o primeiro compromisso do dia é checar as intimações, que recebo on line. As intimações vieram. Mas vieram descansadas, adormecidas nos autos. Sem necessidade da manifestação.
Nesta tarde nublada nada acontece. O telefone que pela manhã gritava desesperado por atenção, agora repousa em calma, recarregando as baterias. O cliente agendado liga desmarcando o compromisso. Um susto. O telefone morto dando sinal de vida. Fico numa felicidade triste e prossigo na minha contemplação do tempo.
O dia nublado é quieto. Não há a barulheira das buzinas na rua. Nem as conversas amistosas, nervosas ou misteriosas nos corredores. Todos estão com o silêncio colado à boca.
O dia nublado não quer nada da gente. E a gente também não quer nada. O dia nublado espera, no ventre, a chuva.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

TUDO FAZ SENTIDO

Sempre perguntei a mim mesmo o porquê dessa coisa de escrever. É como se, ainda no berço, o percevejo literário esperasse na espreita a oportunidade de me ferroar. E ferroou de jeito, que nem a realidade dura, nem o limite do portão de casa, me impediu de alçar grandes voos literários. Pelo menos na minha cabeça, na imaginação.  Porque escrever mesmo, só veio mais tarde. Na época em que fui mordido só conseguia morder a madeira do lápis, encher fraldas e babar. Uma imaginação limitada pelas grades do berço, mas uma imaginação onde ursos voavam rodopiando sobre minha cabeça. Limitada até que num Natal qualquer meu pai chegou com pernas de presente. Não que não tivesse as minhas, mas eram bambas de tal forma que não fosse meu pai arrastar-me pelo dedo, não teria deixado a cama. E é engraçado que até hoje meu pai precise arrastar meu irmão de 36 anos para que deixe a cama. Mas esta é outra história.
E afinal, quando comecei a andar comecei a conhecer coisas. Imaginar muito mais. De repente minha avó era o xerife que nos amarrava ao pé de uma árvore exigindo silêncio.
- Não aguento mais, acode aqui Bastião – e meu avô com o chapéu panamá ajudava a amarrar a gente.
E se não nos amarrasse ao pé da mesa, nós três botaríamos fogo na casa e seríamos lançados ao espaço sideral antes mesmo que minha avó conseguisse terminar o almoço.
O laboratório de fotografias de meu pai era um imenso centro de pesquisas científicas de onde, por pouco, meu irmão mais velho não inventou o primeiro computador, desbancando Bill Gates e Steve Jobs. Ou seria aquela sala um submarino com a luz de emergência vermelha acesa no canto?
E quando então aprendi subir em árvores, antes dos seis anos, que fique dito, furtávamos facas (se alguma criança estiver lendo esta crônica, prefira as facas sem pontas, de corte cego, para sua segurança) do armário da cozinha. E com o instrumento preso no elástico do calção, sem camisa e descalço, subíamos no pé de sete-copas. E de repente aquela árvore robusta e solitária na fachada da casa era a floresta, com onça, macacos e cobras. E a torneira aberta fazia o rio, com suas águas ferozes, saídas dos olhos da serpente.
Algum tempo depois ouvia meu pai reclamando da conta de água. Por que havia subido tanto? Mal sabia do tanto de água necessária para se criar um rio revolto. Mar eu não era capaz de imaginar. Ainda bem.
Por que escrevo? E a resposta me leva de volta à casa de minha infância, à cidadezinha onde o charreteiro espera paciente que o sinal verde do semáforo se abra. E enquanto espera traz versos na cabeça como se no colchão dele também houvesse aqueles insetos benditos.
Então quando chego em casa. Na casa aonde vivem meus pais, vejo minha mãe atarefada com as panelas, construindo castelos de pavê, coliseus de manjar, muralhas de carne assada empoeirada com farofas douradas, fortalezas de arroz.  E minha mãe serve à mesa sua obra trabalhosa e ficamos felizes em volta do prato.
Por que escrevo? E a resposta está ali, nos olhos esverdeados de minha mãe enquanto serve a mesa. Escrevo para distribuir felicidade.